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LACTATO: MITOS E VERDADES

  • Foto do escritor: Nicholas Somers
    Nicholas Somers
  • 13 de abr. de 2016
  • 7 min de leitura

Este artigo foi escrito por André Maia Lima, Doutorando em Ciências do Esporte pela UFMG e por Christian Emmanuel Torres Cabido, Doutor em Ciências do Esporte pela UFMG

Você já ouviu dizer que a fadiga muscular é causa pelo aumento da concentração de lactato? O que significa limiar de lactato? Existe relação entre a dor muscular do dia seguinte ao treinamento com o lactato?

Então pessoal, vamos começar com uma pergunta básica, mas que nem sempre é tão clara assim:

LACTATO CAUSA FADIGA?

A ideia de que o lactato causa fadiga foi proposta inicialmente por um fisiologista inglês chamado Hill, na década de 20 (1,2,3,4 - Hill e Lupton, 1923; Hill et al, 1924 a, b, c). Ele observou um estudo realizado por Fletcher e Hopkins (5), no qual músculos de rãs foram separados em uma solução de álcool e estimulados a contrair até a falha, e foi verificado que a concentração de lactato estava aumentada nesse momento. Além disso, esses autores também verificaram que a concentração de lactato diminuiu quando o músculo foi mantido em um ambiente com alta concentração de oxigênio, e aumentou quando mantido em nitrogênio. A partir desses resultados, Hill concluiu ERRONEAMENTE que:

a) o lactato é produzido APENAS em condições de anaerobiose (nas quais a disponibilidade de oxigênio é pouca ou nenhuma)

b) fadiga muscular é CAUSADA pelo aumento da concentração de lactato.


Baseado nessas premissas, Hill propôs um modelo de fadiga no qual pouco antes do término de um exercício máximo a demanda de oxigênio para a musculatura ativa excederia a capacidade cardíaca de disponibilizar esse oxigênio. Isto causaria anaerobiose muscular, e consequentemente aumento da concentração do “venenoso” lactato. Dessa forma, quando o indivíduo alcançasse a intensidade máxima de exercício, o coração entraria em uma situação de isquemia, e seria incapaz de continuar bombeando a quantidade necessária de sangue.

“MAS E AÍ?? O LACTATO CAUSA OU NÃO FADIGA?”


Os modelos mais atuais sobre fadiga apontam diversos fatores capazes de aumentar a sensação de fadiga (estresse térmico, osmolalidade plasmática, disponibilidade de substratos, riscos e benefícios relacionados com a atividade, humor, etc.) (6 - Martini, 2009), de maneira que apontar um único fator responsável não faz mais sentido. De fato, diversas variáveis são alteradas durante o exercício quando comparado com uma situação de repouso, de maneira que é bastante improvável que apenas uma dessas esteja limitando a atividade. Além disso, se o exercício fosse limitado pela concentração de lactato, a sensação de fadiga deixaria de ter um sentido biológico de proteção do organismo, uma vez que o exercício seria irremediavelmente interrompido quando a concentração de lactato atingisse níveis que impossibilitariam sua continuidade.

“ENTÃO QUER DIZER QUE O LACTATO NÃO SERVE PRA NADA!?”



Não é bem assim. Apesar de o lactato não ser mais visto como o fator predominante para o desenvolvimento da fadiga, ele é de fato um bom indicador das condições metabólicas que podem induzir a acidose. Além disso, é possível observar uma intensidade do exercício a partir da qual a concentração de lactato aumenta exponencialmente (limiar de lactato), e esta apresenta alta correlação com o desempenho em exercícios de resistência aeróbica (7- Mendes et al., 2013)

“LIMIAR DE LACTATO (ANAERÓBICO)? O QUE É ISSO?”


Limiar anaeróbico é um termo utilizado antigamente, quando se acreditava que a partir de uma determinada intensidade o exercício deixaria de ser predominantemente aeróbico para ser anaeróbico quando aconteceria o aumento do lactato sanguíneo. Entretanto, nesta intensidade do exercício a via energética predominante continua a ser aeróbica (8- Spencer e Gastin, 2001). Essa intensidade passou a ser vista como uma zona na qual o metabolismo anaeróbico aumenta sua participação de maneira que a produção de lactato passa a ser maior do que a capacidade de remoção do organismo.


“E COMO SE MEDE ISSO?”

Dentre os diversos métodos conhecidos para identificar o limiar de lactato, a “máxima fase estável do lactato” (MFEL) é considerada o “padrão ouro” (7- Mendes et al., 2013). Nesse método, o indivíduo realiza exercícios com intensidade fixa em dias diferentes. O critério para considerar que uma intensidade de exercício está acima do limiar é um aumento superior a 1mM na concentração sanguínea de lactato entre o 10° e o 30° minuto de exercício (9- Billat et al., 2003). A figura abaixo (10- De Barros, 2007) mostra um exemplo de verificação da MFEL. No primeiro dia de testes, o indivíduo realizou o exercício a uma intensidade fixa de 180w, e não foi observado acúmulo de lactato. Portanto, foi estabelecido que no próximo dia o indivíduo fosse testado com uma intensidade de exercício superior (195w). Neste dia também não foi observado acúmulo de lactato, mas no teste seguinte (210w), foi observado um aumento superior a 1mM. Portanto, nesse caso, a intensidade considerada como a máxima fase estável do lactato foi 195w.



“NOSSA, QUE TANTO DE INFORMAÇÃO QUE NUNCA ME FALARAM. MAS HOJE MEU AMIGO DISSE QUE IA DAR UMA CORRIDINHA LEVE PARA "LIBERAR" O ÁCIDO LÁTICO ACUMULADO NA MUSCULATURA DO TREINO DE MUSCULAÇÃO DE ONTEM E QUE ELE TAVA TODO DOLORIDO POR ISSO!”


Aí que entra o problema. A dor muscular tardia não tem nada a ver com o Lactato!

“ NÃO!? ENTÃO O QUE É ESSA DOR!?”

A dor muscular tardia (DMT) é caracterizada como uma sensação de desconforto na musculatura esquelética, e geralmente ocorre quando a pessoa se exercita com uma carga de treinamento que não está acostumada (11- Foschini et al., 2007). Essa dor não se manifesta até aproximadamente 8 horas após o exercício, aumentando progressivamente nas primeiras 24 horas e alcançando o máximo de intensidade entre 24 e 72 horas, podendo perdurar por até 7 dias (12- Tricoli, 2001). Essa informação é de grande importância, pois algumas pessoas que não estão acostumados com essa dor podem confundi-la com algum tipo de lesão articular ou muscular. Uma característica clássica da DMT é que os grupos musculares afetados são frequentemente sensíveis ao toque e ao movimento articular.


“ENTÃO, COMO SURGE A DMT?”

As principais teorias que tentam explicar a origem da DMT propuseram como possíveis fatores envolvidos: 1) dano físico causado pelo aumento da tensão na musculatura (estresse mecânico); 2) dano estrutural aos tecidos, causado pelo aumento da temperatura muscular; 3) controle neuromuscular alterado, produzindo espasmos (que, por sua vez, causariam a dor). Portanto, a DMT parece ter origem multifatorial.

De um modo geral o que já está bem estabelecido é que a ação muscular excêntrica pode causar danos às fibras musculares. Entretanto, os mecanismos que explicam como o dano estrutural resulta em dor, e os motivos que fazem a dor ser manifestada tardiamente ainda precisam ser esclarecidos. O dano por si só não resulta necessariamente em dor, pois se fosse assim, a lesão causada no tecido do grupo muscular exercitado seria seguida imediatamente pela percepção de dor.


“ATÉ AÍ TUDO BEM, MAS O QUE O LACTATO TEM A VER COM A DMT?“

Durante o exercício físico de moderada a alta intensidade há uma elevação na concentração sanguínea de lactato. Após ser produzido, o lactato é transportado do músculo ativo para a corrente sanguínea, por onde é encaminhando principalmente a órgãos como o fígado e coração e outros grupos musculares para ser metabolizado. Por isso, a lactatemia (valor de lactato) atinge o valor máximo durante ou logo após o término do exercício de alta intensidade e pode permanecer acima dos valores de repouso durante aproximadamente 60 a 120 minutos após a interrupção do esforço. Todavia, o retorno da lactatemia aos valores pré-exercício depende da duração, intensidade, tipo de exercício e estratégia de recuperação adotada (massagem, crioterapia, recuperação ativa x passiva).

Dessa forma, como apresentado anteriormente, a Dor Muscular Tardia (DMT) inicia aproximadamente após 8h do término do exercício e pode durar até 7 dias, bem diferente da cinética da concentração do lactato sanguíneo, que perdura acima dos valores de repouso até aproximadamente 120 minutos. Essas diferenças temporais fazem com que a associação entre a DMT e o aumento na concentração de lactato seja equivocada.

LIÇÕES PARA LEVAR PRA CASA:

1) Lactato (Ácido Lático) não é o causador da dor muscular do dia seguinte ou Dor Muscular Tardia (DMT).

2) O Lactato não causa fadiga.

3) O Lactato não é produzido somente em exercícios anaeróbicos.

4) Correr para liberar lactato é uma justificativa equivocada.

5) O lactato retorna a valores normais pouco depois do término do exercício. Além disso, ele é utilizado como indicador de INTENSIDADE da atividade.


REFERÊNCIAS:

1- Hill, AV, Long, CHN e Lupton, H. (1924a). Muscular exercise, lactic acid and the supply and utilisation of oxygen: parts VII-VIII. Proc. R. Soc. Lond. B Biol. Sci. 97, 155–176.

2- Hill, AV, Long, CHN, e Lupton, H. (1924b). Muscular exercise, lactic acid, and the supply utilization of oxygen: parts I-III. Proc. R. Soc. Lond. B Biol. Sci. 96, 438–475.

3- Hill, AV, Long, CHN, e Lupton, H. (1924c). Muscular exercise, lactic acid, and the supply utilization of oxygen: parts IV-VI. Proc. R. Soc. Lond. B Biol. Sci. 97, 84–138.

4- Hill, AV e Lupton, H (1923). Muscular exercise, lactic acid, and the supply and utilization of oxygen. Q. J. Med. 16, 135–171.

5- Fletcher, WM e Hopkins, WG. (1907). Lactic acid in amphibian muscle. J. Physiol. (Lond.) 35, 247–309.

6- Martini, ARP (2009). Raspar a cabeça não altera a velocidade na corrida de 10 km sob o sol. Dissertação (Mestrado em Ciências do Esporte) – Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Universidade Federal de Minas Gerais.

7- Mendes, TT et al (2013). Six weeks of aerobic training improves VO2max and MLSS

but does not improve the time to fatigue at the MLSS. Eur. J. Appl. Physiol. 113 (4), 965-73.

8- Spencer, MR e Gastin, PB (2001). Energy system contribution during 200 – 1500m running in highly trained athletes. Med. Sci. Sports Exerc. 33 (1), 157-162.

9- Billat, VL, Sirvent, P, Py, G, Koralsztein, JP e Mercier, J (2003). The concept of maximal lactate steady state: a bridge between biochemistry, physiology and sport science. Sports Med., 33 (6), 407-26.

10- De Barros (2007). Influência do calor sobre a máxima fase estável do lactato, concentração fixa de 4mm e limiar anaeróbio individual. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Universidade Federal de Minas Gerais.

11- Foschini, D, Prestes, J e Charro, MA (2007). Relação entre exercício físico, dano muscular e dor muscular de início tardio. Rev. Bras. Cineantropom. Desempenho Hum. 9 (1), 101-106.

12- Tricoli V (2001). Mecanismos envolvidos na etiologia da dor muscular tardia. Rev Bras Cien Mov, 9, 39-44.


 
 
 

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